Governos latino-americanos e europeus não
reconhecem gestão Temer. Partidos europeus e imprensa internacional também
criticam processo de impeachment
Rafael Tatemoto
BRASIL DE FATO
Governos da América Latina, especialmente do Cone
Sul, têm se manifestado contra o processo de impeachment de Dilma Rouseff (PT)
e dizem não reconhecer Michel Temer (PMDB) enquanto ocupante da Presidência. O
governo interino do peemedebista também tem sofrido críticas da imprensa
estrangeira e de partidos europeus atualmente no poder.
No contexto regional, Equador, Cuba, Nicarágua,
Chile, Bolívia, Uruguai, El Salvador e Venezuela criticaram a votação do
impeachment realizada pelo Senado na última semana e manifestaram apoio a
Dilma. Os dois últimos convocaram seus embaixadores a voltarem a seus países.
Na tradição diplomática, a medida não significa ruptura nas relações
internacionais, mas profundo desacordo com a situação interna do país onde se
localiza a embaixada.
Além de governos, a União das Nações Sul-Americanas
(Unasul) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) também manifestaram
preocupação.
Ernesto Samper, secretário geral da Unasul, afirmou
que, caso a deposição da petista se confirme, os outros onze membros da
entidade devem analisar a ocorrência da violação da cláusula democrática e
possíveis sanções.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, disse que
pode levar o impeachment brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos,
já que o processo estaria marcado por uma “incerteza jurídica”, por conta dos
argumentos usados contra Dilma.
Críticas
Rodolfo Novoa, chanceler do Uruguai, posicionou-se
contra o impeachment e garantiu que o governo uruguaio não tem intenções de
reconhecer Temer: “Com certeza estamos muito preocupados com esta situação”.
A representação diplomática chilena emitiu nota na
qual afirma que “o governo do Chile expressa sua preocupação pelos
acontecimentos dos últimos tempos nessa nação irmã, que tem gerado incerteza em
nível internacional”. O Partido Socialista, legenda da presidenta Michelle
Bachelet, também se solidarizou a Dilma.
A embaixada equatoriana, em comunicado com tom mais
duro, afirmou que Dilma é “a legítima depositária do mandato popular expressado
nas últimas eleições democráticas”. O texto também afirma que contra a petista
“não pesa, até o momento, nenhuma imputação que a vincule a qualquer delito”.
Salvador Sánchez Cerén, presidente de El Salvador,
anunciou que não reconhecerá a gestão Temer, chamando a embaixadora no Brasil,
Diana Vanegas, de volta ao país. Para o partido de Sánchez, a FMLN, o
afastamento de Dilma “é um golpe de Estado parlamentar”.
“A presidenta legítima, Dilma Rousseff, primeira
mulher eleita como chefe de Estado no Brasil, enfrenta uma ofensiva motivada
por vingança daqueles que perderam as eleições e são incapazes de chegar ao
poder político por outra via que não a força”, afirmou em comunicado o governo
venezuelano.
O presidente Nicolas Maduro informou que pediu a
volta do embaixador a Caracas.“Pedi ao nosso embaixador no Brasil, Alberto
Castelar, que voltasse. Me reuni com ele para avaliar essa dolorosa página da
história do Brasil”.
O governo cubano qualificou o afastamento de Dilma
como “golpe de estado parlamentar e judicial, disfarçado de legalidade”. Para
Havana, o que ocorre no Brasil é parte de uma “contraofensiva reacionária do
imperialismo e da oligarquia contra os governos revolucionários e progressistas
da América Latina e do Caribe”.
Evo Morales, presidente da Bolívia, classificou o
impeachment como “golpe congressista e judicial”. Daniel Ortega, chefe do
governo nicaraguense, afirmou estar “indignado” e definiu a situação no Brasil
como “um drama, uma comédia, uma tragédia, uma armação jurídica e
política".
Europa
O Partido Social Democrata (SPD) alemão, agremiação
que compõe o governo da chanceler Ângela Merkel, afirmou que a "oposição
brasileira abusou do instrumento do impeachment", declarando que "a
medida é um precedente perigoso para a democracia no país".
Massimo D'Alema, ex-primeiro-ministro da Itália, do
Partido Democrático (PD) – mesma legenda do primeiro-ministro Matteo Renzi–,
disse à agência de notícias Ansa que no Brasil ocorre uma "perseguição
política da parte de um grupo de personagens indecentes".
O Partido Socialista francês, agremiação do
presidente François Hollande, publicou em seu site um artigo de Maurice Braud,
um dos secretários da legenda, acusando a direita brasileira de querer
desestabilizar a democracia brasileira.
Imprensa
Os dois jornais em língua inglesa de maior
circulação, o norte-americano New York Times e o britânico Guardian, teceram
críticas à gestão provisória de Temer. A publicação de Nova Iorque afirmou que,
golpe ou não, um impeachment contra Dilma seria desproporcional em relação aos
argumentos contra ela utilizados, enquanto seus julgadores cometeram atos
notoriamente mais graves. Além disso, afirma que o afastamento piora a situação
política no Brasil e defende que os brasileiros deveriam ter a possibilidade de
participar de novas eleições.
O Guardian, por sua vez, afirmou que a deposição da
petista não resolve os problemas do país, qualificando o sistema político
brasileiro como “disfuncional”, aberto à corrupção, e sugerindo que uma reforma
política profunda deveria ser realizada. O jornal também criticou a composição
ministerial da gestão Temer: “muita testosterona e pouca melanina”.
Passado e Futuro
Pedro Bocca, mestre em Ciência Política e membro do
Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (que reúne representantes de
movimentos sociais e sindicais, partidos, fundações, pesquisadores e ONGs)
concorda com as avaliações em relação ao avanço dos interesses internacionais
na América Latina.
Ele menciona os processos de retorno ao
neoliberalismo em Honduras, no Paraguai e na Argentina, marcando uma maior
atuação dos EUA sobre as maiores economias da região. Em sua opinião, por conta
deste contexto político latino-americano, a Venezuela deve ser o próximo alvo.
“O golpe no Brasil não era a primeira opção do imperialismo,
mas eles tiveram a oportunidade perfeita de não precisar confiar em um governo
que não era deles e colocar uma gestão 'puro sangue'”, constata Bocca. O
analista avalia que o impeachment de Dilma guarda grandes semelhanças com o
ocorrido em Honduras e no Paraguai, inaugurando um novo tipo de golpe, sem a
presença de militares. “São golpes fundamentados na perda de maioria no
Congresso. A partir do discurso da legalidade, tiram o presidente
democraticamente eleito”.
De acordo com ele, a presença Liliana Ayalde,
embaixadora americana que também estava no Paraguai no momento da deposição de
Lugo, e o financiamento de novos grupos de direita que realizam manifestações
de rua são outras semelhanças.
A nova orientação que a gestão Temer deve dar às
relações internacionais, segundo Bocca, deve intensificar os laços de
dependência com as grandes economias mundiais e a posição do Brasil como país
exportador de matéria-prima. “Vamos aprofundar as relações econômicas e
políticas com os europeus e os EUA e deixar de ter um política externa que se
baseava na ideia de posicionar o Brasil como sujeito internacional. O
ministério [de Relações Exteriores] será praticamente um adido [encarregado]
comercial”, lamenta. Neste sentido, as próprias experiências de construção de
entidades internacionais alternativas, como a Unasul, devem ser esvaziadas pela
governo interino de Temer.
Resposta
José Serra (PSDB-SP), ministro interino das
Relações Exteriores, respondeu em nota às declarações da Unasul e dos governos
da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua. Ele afirma que tais posições
se baseiam em interpretações “falsas”.
O tucano não se manifestou sobre as declarações de
outros países, dos partidos europeus ou da imprensa estrangeira.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Por prof. Gilvan
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